Governador de Mato Grosso do Sul termina 2020 fisgado por denúncia e sob ameaça de afastamento do cargo
Reinaldo Azambuja (PSDB) começou 2020 pescando com os amigos na Argentina, em férias que se esqueceu de avisar. Mas a correnteza puxou o governador de Mato Grosso do Sul. Fisgado pela denúncia do MPF (Ministério Público Federal) ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que o coloca como chefe de uma organização criminosa implicada em corrupção e lavagem de dinheiro, o tucano termina o ano sob a constante ameaça de ser afastado do cargo.
No campo político, Reinaldo foi posto às sombras das eleições municipais, quando já se via na condição de denunciado à Justiça. O próprio partido admitiu a estratégia de tirar o governador de campo e apostar em quadros menos complicados para endossar as campanhas tucanas pelo interior.
A atuação diante da pandemia de novo coronavírus, que chegou em março a Mato Grosso do Sul, também foi discreta, com raras aparições públicas. Tal qual fez o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação aos governadores, Reinaldo insistiu enquanto pôde em canalizar às prefeituras a responsabilidade sobre medidas mais invasivas à economia e, portanto, pouco populares.
Mas foram os tribunais que consolidaram de vez o encolhimento do governador do Estado. Denunciado ao STJ, ele empilhou derrotas em recursos para tentar trazer o caso à Justiça Estadual. De quebra, viu seu filho, Rodrigo Souza e Silva, entrar na mira da Polícia Federal em operação que, até então, não protagonizava.
Pescaria na Argentina
Reinaldo Azambuja deixou o Brasil para pescar com amigos e integrantes da cúpula do governo entre os dias 6 e 10 de janeiro de 2020, mesmo sem tirar férias ou comunicar previamente a Assembleia Legislativa, como rege a Constituição Estadual.
Enquanto folgava na pousada Gêmeos Pesca, em Itá Ibaté, Província de Corrientes, na Argentina, o Diário Oficial do Estado continuou publicando uma série de atos supostamente assinados pelo governador.
Com a pescaria ainda acobertada, a Secretaria de Comunicação do Governo chegou a defender a versão de que Reinaldo estaria atendendo reuniões e encontrando secretários e gestores. O que só foi desmentido após virem á tona fotos e vídeos de Reinaldo na Argentina.
O Executivo só protocolou ofício comunicando a Assembleia sobre a viagem em fevereiro, um mês depois das férias, mas com data retroativa, de 19 de dezembro de 2019.
Confrontado sobre uma suposta manobra para “esquentar”o comunicado, o governo publicou nova cópia do ofício, o que deixou tudo ainda mais suspeito. No lugar do protocolo e do carimbo da Assembleia, apenas uma assinatura à mão com data de recebimento do ofício em 19 de dezembro.
Sumiço na pandemia e nas eleições
A movimentação de Reinaldo Azambuja diante da pandemia de covid-19 foi tímida, ao contrário do que fizeram governadores como João Dória (São Paulo) e Flávio Dino (Maranhão). Os holofotes ficaram sobre Geraldo Resende e Eduardo Riedel, respectivamente titulares da SES (Secretaria de Estado de Saúde) e da Segov (Secretaria de Estado de Governo e Gestão Estratégica).
Em raras aparições, Reinaldo negava a possibilidade de impor medidas mais duras e impopulares, como o lockdown, mesmo quando o número de casos e mortes pela doença batiam recordes. O discurso se voltava contra as prefeituras, ao passo que o governo estadual se reservava às recomendações.
Apesar de ser a principal liderança tucana no Estado, Reinaldo ficou às sombras de vez durante as eleições municipais. E por estratégia do PSDB.
Àquela altura, ele ja havia sido indiciado pela Polícia Federal, em julho, com base nas investigações da Operação Vostok. A um mês das votação, o MPF destrinchou o relatório dos agentes e denunciou o governador, e seu filho e mais 22 pessoas ao STJ.
A denúncia da subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo implica Reinaldo como chefe de uma organização criminosa e beneficiado por R$ 67,7 milhões em propina, paga pelo grupo JBS entre 2014 e 2016. O dinheiro era dissimulado via doações de campanha e notas fiscais falsas de movimentação de carne e gado – os “bois de papel”.
Em contrapartida, a JBS foi beneficiada com isenções fiscais que desfalcaram os cofres estaduais em R$ 209,7 milhões.
Na reta final das eleições, Reinaldo aproveitou o “feriadão” de Finados e tirou licença do cargo – desta vez comunicou á Assembleia. Com a imagem do governador já arranhada pela denúncia do MPF, canditatoss do PSDB pelo interior receberam a ausência no momento -chave com desdém e até certo alívio.
O resultado nas urnas em Campo Grande refletiu o apequenamento político do maior representante do PSDB no Estado. Depois do partido abdicar da disputa pela prefeitura, viu sua bancada na Câmara de Vereadores esfarelar –de oito cadeiras atualmente para apenas três a partir de 2021.
Justiça impõe coleção de derrotas a Reinaldo
Ameaçado de afastamento do cargo pela denúncia do MPF, Reinaldo tratou de mandar a campo um volumoso time de advogados para tentar suspender o andamento do processo originado por ela, a Ação Penal 980/STJ.
Primeiro, ingressou com recurso ainda no âmbito do Inquérito 1.190/STJ, que desdobrou a Operação Vostok. A defesa do tucano defendia o “rebaixamento” do caso à Justiça Estadual, sob o argumento de que Reinaldo não era governador quando teria começado a cometer os crimes implicados a ele, em 2014.
A versão não colou e a Corte Especial do STJ rejeitou a questão de ontem, mantendo a competência do tribunal para processar e julgar o chefe do Executivo estadual.
Os advogados recorreram até ao STF (Supremo Tribunal Federal), em habeas corpus, a fim de suspender a Ação Penal 980. Mas a relatoria caiu com o ministro Edson Fachin, famoso pela linha dura e por relatar os processos da Operação Lava Jato.
Reinaldo tentou tirar o HC das mãos de Fachin por duas vezes, mas o presidente do STF, ministro Luiz Fux, barrou as investidas. Então, o relator rejeitou o pedido em caráter liminar e agora aguarda manifestação da PGR (Procuradoria-Geral da República) para decidir em definitivo.

A última para a coleção de derrotas do governador de Mato Grosso do Sul foi novamente na Corte Especial do STJ, a mesma responsável por julgar se afasta Reinaldo caso a denúncia do MPF seja aceita. Os ministros negaram, por unanimidade, novo recurso no boojo do inquérito da Operação Vostok para tentar impor sigilo aos processos contra o tucano.
Filho de Reinaldo na mira da ‘Motor de Lama’
Em meio aos imbróglios judiciais contra si mesmo, Reinaldo ainda teve de lidar com investigações contra o filho, Rodrigo Souza e Silva. Em novembro, o advogado entrou na mira da Operação Motor de Lama, sétima fase da Lama Asfáltica, que investiu contra esquema de favorecimento em licitações, pagamento de propina e evasão de divisas, com foco em contratos do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito).
Rodrigo foi alvo de mandados de busca e apreensão em seu apartamento e no escritório de advocacia do qual foi sócio. De quebra, teve sigilos bancário e fiscal quebrados pela Justiça Federal.
As apurações da Motor de Lama colocam o filho do governador Reinaldo Azambuja com papel central na transição de esquema de pagamento de propina no Detran-MS. Rodrigo foi flagrado em interceptações telefônicas combinando reuniões para tratar da manutenção da negociata com a Ice Cartões Especiais Ltda, empresa pivô das investigações.
Perspectivas para 2021
Relator da Ação Penal 980, o ministro Félix Fischer já pediu pauta na corte Especial para julgar a denúncia contra Reinaldo. Por enquanto, corre prazo para manifestação preliminar das defesas dos implicados.
A tendência é que o colegiado máximo do STJ decida sobre um possível afastamento do governador ainda no primeiro semestre de 2021, ano que, para o bem ou para o mal, promete ser definidor para o tucano e suas pretensões políticas.
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