Dedicação dos professores gera campeões de matemática nas escolas públicas

Exemplo em sala de aula transforma alunos que nem gostavam dos números em vencedores na OBMEP

No mundo de Sophia, os números são a tradução da alegria. Basta olhar a primeira página do caderno de matemática, onde o Ursinho Pooh sorri feliz da vida. A estudante de 12 anos adora a disciplina. Tanto amor se reverteu em medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, OBMEP, de 2021.

Nos mundos de Miguel, Aduil e Mycael, todos também de 12 anos, os números levam a descobertas diárias. Os três se descobriram vencedores na matemática. O primeiro é medalhista de bronze e os demais menções honrosas pelo desempenho na OBMEP de 2021.

No mundo de Bruno, os números são companhias instigantes. O aluno de 16 anos gosta muito de encontrar soluções para os problemas e nunca desiste de nenhum. Na busca por se superar, garimpou uma medalha de bronze na OBMEP de 2020.

Todos estes jovens campeões da matemática são alunos de escolas públicas de Campo Grande (MS). E há algo mais em comum entre eles, o reconhecimento do papel dos professores nesta conquista. Segundo os estudantes, o exemplo em sala de aula é o principal responsável pelo desempenho deles das provas da Olimpíada.

Sophia Santos Vicente, medalhista de Ouro na OBMEP de 2021 (Fotos: Divulgação)

Sophia dos Santos Vicente já sabe o que quer ser quando crescer: “professora de matemática.” E explica o porquê: “Eu amo matemática sempre gostei”, diz a aluna do 7º ano da Escola Municipal Luis Antonio de Sá Carvalho.

Mesmo desfrutando de intimidade com os números, Sophia não esperava a surpresa que teria naquele 18 de Janeiro de 2022. “Eu fiquei chocada, não conseguia acreditar. Quando fiquei sabendo eu estava fora de casa, e quando cheguei a primeira coisa que fiz, foi entrar no site da OBMEP e conferir se isso tinha mesmo acontecido”, relembra.

Sim. Tinha acontecido mesmo. Sophia obteve a medalha de ouro na Olímpiada, sendo a única aluna de Nível 1 (6ª e 7ª séries) a conquistar o feito em MS. “Não acreditei que realmente fosse conseguir a medalha de ouro. Talvez uma medalha de bronze, mas não a de ouro. Realmente foi uma conquista muito grande”, valoriza.

Ela lembra o nervosismo que passou durante a prova e a busca pelo autocontrole que lhe permitiu resolver as questões. “A primeira fase pra mim foi 100% tranquila. Já na segunda, quando olhei rapidamente a prova achei que não fosse conseguir (…) Mas quando eu consegui entender todas as questões, percebi que estava mais fácil do que parecia”, afirma.

Site da OBMEP (Foto: Luiz Alberto)

Sophia também precisou de concentração para superar um “problema” comum aos bons em matemática: esquecer de desenvolver os cálculos por escrito, já que quase automaticamente os fazem na cabeça. Nas provas da Olímpiada, as respostas devem estar acompanhadas do cálculo. No final, deu tudo certo.

A menina sempre estudou em escolas públicas, desde os três anos quando passou a frequentar centros de educação infantil, Ceinfs. “Sou muito grata às escolas municipais (…) Desde pequena, ela fala que quer ser professora de Matemática”, revela a mãe da estudante Daiene Vicente.

Mas, de onde vem tamanha decisão em seguir carreira com os números? A resposta pode ser múltipla. Porém, o certo é que a estudante se diz muito inspirada pela atual professora de Matemática e também pelo avô, professor aposentado da disciplina.

Segundo a aluna, a professora Fernanda Gamarra não mede esforços para que a turma aprenda o conteúdo. “Ela explica quantas vezes for preciso e sempre com muita simpatia”, define Sophia, tal postura também instiga a estudante a querer ser melhor.

Avaliação da OBMEP é realizada em duas etapas (Foto: Divulgação)

“Ela sempre tenta passar o conteúdo da forma mais simples possível para que todos possamos entender, tanto que, na primeira prova dela, a grande maioria foi muito bem”, acrescenta.

Jogos, técnica e empatia – Fernanda Gamarra, por sua vez, fica satisfeita com as deferências da aluna, mas atribuiu o resultado ao esforço da própria estudante. “O mérito com certeza é dela”, enaltece.

Professora há 9 anos, ela afirma ter a consciência de que a matemática não é a disciplina preferida da maioria dos alunos. Por isso, ela põe em prática estratégias para que os estudantes consigam fixar o conteúdo.

Em sala de aula faz uso de materiais extras, jogos e outros recursos, além de mais um item que ela julga muito importante, a empatia. Para ela, é fundamental ter em mente que existem diferenças de aprendizagem entre os estudantes.

“Às vezes uso materiais diferenciados, jogos ou até mesmo técnicas dentro do próprio conteúdo. Alguns alunos chegam à escola com certas especificidades e temos que tentar ser o mais empático possível para tentar alcançar o maior número deles”, explica.

Professor Valdir Aguiar no Laboratório de Matemática, da Escola Municipal Professor Vanderlei Rosa de Oliveira (Foto: Luiz Alberto)

Escola premiada – Miguel de Moraes Couto, Aduil Luiz de Moraes do Couto e Mycael de Oliveira estudam na Escola Municipal Professor Vanderlei Rosa de Oliveira, no Bairro Novo Maranhão, e são alunos do professor Valdir Aguiar. O educador também é premiado na OBMEP em virtude do desempenho de seus alunos.

Ele é apontado como responsável por transformar estudantes que não gostavam de matemática ou que eram medianos na disciplina em destaques na competição nacional de números. Miguel é o primeiro a confirmar o feito do professor.

“Quando criança eu não gostava de matemática. Mas, aí eu tive aulas com o professor Valdir. Ele explicava matemática de um jeito alegre que me deu vontade de aprender. Antes, eu estudava só para passar na prova. Isso mudou. Senti vontade de aprender”, relata o estudante.

A partir daí, Miguel se apaixonou pela “complexidade dos números”, como ele próprio define. “Gosto de descobrir o X.” Porém, controlar a tensão na hora da prova da OBMEP não é fácil nem para os muito determinados como ele.

Trio premiado na OBMEP aprendeu a gostar de matemática na sala de aula (Foto: Luiz Alberto)

“Na primeira etapa, eu achei que não ia passar para a próxima. Estava muito nervoso. Mas, eu queria muito ser finalista. Queria deixar o professor feliz”, diz Miguel que atingiu a meta e saiu da Olimpíada com a medalha de bronze.

Irmão de Miguel, Aduil Luiz também não gostava de matemática. “Aliás, eu detestava com todo meu corpo”, admite. Mas, o modelo de aulas do professor Valdir causou uma guinada. “Hoje, quando resolvo uma questão sinto felicidade, alegria”, revela.

Diante dessa mudança de sentimento pelos números, o aluno passou a sonhar com um bom desempenho na prova da OBMEP e estudou para isso. “Queria orgulhar meu pai e o professor”, comenta o estudante que assim como Mycael, também conquistou uma menção honrosa na Olimpíada.

Professor Valdir e os alunos Mycael, Miguel e Aduil (Foto: Luiz Alberto)

Mycael de Oliveira, por sua vez, passou de um aluno que tirava, em média, 8 para as notas 9 e 10. “Eu não entendia matemática, mas passei a entender. As pessoas não gostam de matemática porque não a entendem”, acredita.

Essa nova afeição pelos números garantiu a ele a menção honrosa na OBMEP. A história de Mycael com a matemática tem outra particularidade. “Meu pai é pedreiro e de vez em quando faz orçamentos em casa. É um momento em que exercito a matemática com ele”, conta.

O trio quer continuar aumentando o conhecimento nos números e fazendo bonito nas provas. Contudo, os planos para o futuro são diferentes. Miguel planeja ser editor de vídeos. Mycael se imagina matemático, engenheiro ou biólogo. Aduil quer ser programador de computador.

Com a palavra, o professor Valdir – “É preciso encantar o aluno. Para isso é necessário falar a língua dele e respeitar o tempo de cada um”, resume Valdir Aguiar.

Professor Valdir: “É necessário falar a língua deles.” (Foto: Luiz Alberto)

Em sala de aula há 11 anos, ele se esforça todos os dias para que os alunos enxerguem matemática nas coisas diárias. A reportagem assistiu a uma das aulas no laboratório de matemática na Escola Municipal Professor Vanderlei Rosa de Oliveira.

A turma era do 6º ano e o tema da aula era multiplicação. O uso de materiais é constante. São gravuras, mapas, objetos geométricos e outros. Os estudantes são chamados a descobrir a quantidade de combinações possíveis de gravatas e camisas, ou de objetos em uma cartela e outras questões para raciocinar e multiplicar.

“Aqui neste laboratório eu não trabalho com quadro como numa sala de aula comum. Este ambiente é preservado de forma bem diferente. O aluno tem que se sentir vivendo um momento especial, não uma aula corriqueira”, detalha.

A meta é que o aluno seja participante da aula, não apenas expectador passivo. Prender a atenção dos estudantes é algo cada dia mais desafiador. “Hoje, eles têm muita informação à disposição. É tudo muito rápido. A mente deles já está no ritmo dos stories do Instagram, o vídeo dura 15 segundos e aí já quer outro”, aponta.

Professor foi premiado com kits para usar em aula (Foto: Luiz Alberto)

Na opinião de Valdir, o caminho para uma aula bem sucedida é ‘acompanhar o que os alunos são hoje em dia.’ “Você precisa falar a língua deles e ainda respeitar o tempo de cada um. O estudante tem de ser visto e ouvido”, ensina.

Com o bom desempenho de seus alunos na OBMEP, ele ganhou um kit pedagógico. São vários objetos em E.V.A para montar e desenvolver o raciocínio matemático em atividades coletivas ou individuais.

Gefem – Em Campo Grande, as escolas municipais são apoiadas pela Gerência do Ensino Fundamental, Gefem, que trabalha para que todas as unidades participem da OBMEP e tenham bom desempenho.

“A gente acompanha as datas, informa as escolas e mantemos contato constante. Estamos sempre apostos para capacitar os professores e melhorar os resultados”, explica a integrante da equipe da Gefem Carine Fernandes Botelho Custódio, também professora de matemática.

Carine Fernandes Botelho, integrante da Gefem (Foto: Luiz Alberto)

Segundo Carine, a Gefem propõe metodologias mais ativas em sala de aula. “Sabemos que atualmente o aluno é mais autônomo. Por isso, as práticas construtivistas estão em alta. O ideal é estimular o aluno a buscar as respostas”, acredita.

Na avaliação da Gefem, até aqui as escolas da rede municipal apresentam bom desempenho na OBMEP. “A participação dos alunos tem sido muito expressiva”, destaca.

IFMS– Outro medalhista na OBMEP estuda no Instituto Federal de MS. Bruno Pereira de Paula, 16, exibe com orgulho o bronze conquistado em 2019 e sorri para as fotos ao lado do professor Anderson Martins Correa.

Destaque na disciplina desde a 6ª série, ele chegou a amargar uma nota zero na prova de matemática na 8ª. “Eu fiz todos os cálculos mentalmente e aí coloquei apenas as respostas. Quando vi a nota, tomei um susto.”

Professor Anderson e o aluno Bruno (Foto: Luiz Alberto)

As respostas estavam certas, mas sem a resolução, o professor pode suspeitar que o estudante tenha apenas colado. A experiência inusitada ajudou o estudante a evoluir. “A partir daí passei a me concentrar mais nesta etapa que é o desenvolvimento.”

Bruno admite que não estuda muitas horas por dia em casa e afirma que a compreensão em sala de aula é fundamental para seu desempenho nas avaliações e, inclusive, na OBMEP.

Em sala, o que não falta é motivação. O professor Anderson é daqueles que atua para que o aluno esteja em ação na matemática e não admite a desculpa da falta de afinidade com os números.

Ele usa corriqueiramente situações -problema para envolver as turmas, nas buscas pelas respostas. Por vezes, o pano de fundo é a rotina dos jovens. “Se você vai à festa, então, precisa fazer os cálculos primeiro para saber quanto poderá gastar, com o refrigerante por exemplo. Assim, vamos listando as grandezas”, detalha.

Aluno, suas medalhas e o professor (Foto: Luiz Alberto)

Na visão do professor, qualquer pessoa pode aprender matemática em qualquer fase da vida. “Não se trata de algo inato. Discordo disso. É claro que o processo de vida pode influenciar na compreensão do indivíduo, mas qualquer um pode aprender. Sempre existe um caminho”, acredita.

Anderson faz questão absoluta de encontrar esse caminho do aprendizado de cada aluno. Para isso, não mede esforços. “Já pedi para um estudante explicar para o outro. O importante é que o aluno aprenda”, analisa.

Integrado à Universidade – O desempenho de Bruno na OBMEP trouxe outra novidade à vida do estudante. Ele passou a ficar integrado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS, por meio do Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC) da OBMEP, para o qual são convidados os melhores colocados na Olímpiada.

“Dentro desse programa, a gente continua estudando. Eles passam mais questões para a gente fazer e aprender”, menciona. O programa existe desde 2006 e visa ajudar os campeões da OBMEP no desenvolvimento da matemática e aproximar estes jovens da universidade.

Professora Karina mostra o material de apoio usado com alunos do PIC (Foto: Luiz Alberto)

A coordenadora do PIC na UFMS professora Karina Miranda D´Ípólito Leite explica que o programa concede bolsas de R$ 100,00 por mês aos alunos medalhistas a título de ajuda de custos.

Durante a pandemia, a coordenadora organizou grupos on-line para manter o programa ativo durante no período de distanciamento social. Para este ano de 2022, ela já está preparando as aulas presenciais que devem começar ainda neste semestre.

“A OBMEP se tornou um incentivo para escolas e alunos no ensino da matemática. Com o PIC, a universidade se abre para estes estudantes que podem se interessar por carreiras da própria UFMS. Estamos aqui pelo progresso da matemática e dos alunos do nosso País.”

OBMEP 2022 –  A 17ª OBMEP fechou as inscrições no mês de Março.  Neste ano de 2022, a expectativa é de reunir 18 milhões de estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. Neste ano de 2022, a expectativa é de reunir 18 milhões de estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio.

Bruno Pereira e a medalha obtida na OBMEP (Foto: Luiz Alberto)

A olimpíada realizada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) continuará dividida em duas fases. A primeira composta por uma prova objetiva de 20 questões e a segunda por uma prova discursiva de 6 questões. As provas são preparadas de acordo com o grau de escolaridade do aluno: Nível 1 (6º e 7º anos), Nível 2 (8º e 9º anos) e Nível 3 (Ensino Médio).

A 1ª fase da OBMEP será realizada em 7 de Junho e os classificados para a próxima etapa serão divulgados em 2 de Agosto. Em 8 de outubro, serão aplicadas as provas da 2ª fase da competição, e o resultado final da premiação será anunciado em 20 de Dezembro.

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