Mesmo com avanço do plantio, produtores seguram vendas diante de saca 10% mais barata e custos elevados
Apesar de um plantio adiantado e de perspectiva de boa safra no campo, a comercialização da soja 2025/2026 em Mato Grosso do Sul vive um ritmo lento travada por preços baixos e incertezas sobre mercado interno e externo.
Segundo o boletim Casa Rural, elaborado pela Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso do Sul (Aprosoja-MS) e Famasul, até o fim de outubro o Estado havia comercializado cerca de 16% da safra, índice que representa uma defasagem de 11,3 pontos porcentuais em relação ao mesmo período do ano passado.
A retração ocorre em um cenário de queda de 10,22% no preço médio da saca, cotada a R$ 125,38 no fim de outubro, contra R$ 139,60 em 2024.
O ritmo menor de vendas contrasta com o bom desempenho no campo, o plantio já cobre 47,8% da área estimada e deve resultar em 15,195 milhões de toneladas, 6% acima da colheita anterior. Mesmo assim, o mercado está travado.
Com margens apertadas e custos de transporte mais altos, os produtores esperam que o preço se aproxime de R$ 120 por saca para voltar a negociar com força.
O analista da Granos Corretora, Carlos Ronaldo Dávalos, explica que o descompasso entre o avanço no campo e a lentidão nas vendas é resultado direto da combinação de baixa rentabilidade e excesso de oferta mundial. “O Mato Grosso do Sul está com 60% a quase 70% da área plantada de soja.
O clima está bom, o plantio segue dentro da janela ideal, mas o mercado ficou represado porque os preços atuais não atendem à necessidade do produtor”, afirma.
Segundo ele, o agricultor está retendo a produção à espera de cotações melhores. “Hoje a saca vale em torno de R$ 114 a R$ 115, cerca de 10% menos que no mesmo período do ano passado. O produtor quer começar a dar uma dinâmica maior na comercialização a partir dos R$ 120, que é o patamar mínimo para pagar a conta”, explica.
A lentidão nas negociações, segundo Dávalos, não está restrita a Mato Grosso do Sul. “O mercado internacional foi pressionado pela redução de impostos sobre exportações na Argentina, que aumentou a oferta de soja em grão.
Além disso, o Brasil colheu 169 milhões de toneladas e deve produzir até 3,5% a mais neste novo ciclo, chegando a 171 milhões. Isso elevou os estoques mundiais e derrubou as cotações na Bolsa de Chicago”, destaca.
Essa postura de retenção reflete, assim, rentabilidade apertada e insegurança quanto ao futuro da colheita.
Além disso, os custos logísticos também contribuem para a travagem das vendas. “A tabela mínima de frete da ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres] encareceu o transporte e refletiu no preço final das commodities em MS e no Brasil inteiro. Isso colaborou com a maior retenção da soja”, explica Dávalos.
Ele explica que o reajuste limitou a flexibilidade dos contratos e aumentou o custo logístico. “O transportador se sente mais confortável para trabalhar dentro da tabela, mas isso encarece o frete e reflete diretamente no preço das commodities. O resultado é um mercado mais lento, com o produtor segurando a soja”, observa.
Mesmo com leve valorização de 0,25% na última semana de outubro, a saca ainda acumula queda de mais de R$ 14 em relação ao ano passado, segundo o levantamento da Granos Corretora. Em Campo Grande, onde o preço subiu 1,57% entre 21 e 27 de outubro, o valor médio chegou a R$ 129 por saca, ainda abaixo do necessário para cobrir custos.
“O produtor brasileiro está com margem muito estreita. Além dos insumos dolarizados, o custo de transporte e armazenagem subiu, e o câmbio não tem ajudado tanto como em outros anos”, avalia Dávalos.

ACORDO
Um elemento que pode alterar o quadro de longo prazo é o recente acordo entre os Estados Unidos e a China. Em um encontro entre Donald Trump e Xi Jinping ocorrido na quinta-feira, na Coreia do Sul, foi anunciada a retomada de compras chinesas de soja americana e medidas de alívio comercial.
O anúncio incluiu volumes de compras de soja dos EUA pela China, com estimativas iniciais de cerca de 12 milhões de toneladas nesta temporada e, ao menos, 25 milhões por ano nos próximos três anos.
Embora esse cenário possa trazer reflexos para o Brasil como grande fornecedor global, o efeito ainda não se materializou no mercado interno sul-mato-grossense.
Como Dávalos assinala, “o Brasil continua sendo o grande exportador mundial, mas o mercado interno ainda não ajustou seus preços para atender o produtor brasileiro”. Isso significa que, apesar da perspectiva de maior demanda externa, a comercialização em MS segue contida até que condições locais (preço, câmbio, custos) se tornem favoráveis.
O economista da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso do Sul (Aprosoja-MS), Mateus Fernandes, confirma que a lentidão nas vendas é resultado de prudência e estratégia, não de ausência de mercado.
“A comercialização da soja da safra 2025/2026 está mais lenta, mesmo com preços ligeiramente melhores que no mesmo período do ano passado. Muitos produtores aguardam maior segurança sobre produtividade e melhores oportunidades de valorização, pois, após preços baixos e margens apertadas na safra passada preferem não se comprometer cedo”, afirma.
Fernandes ressalta que a defasagem de 11 pontos porcentuais na comercialização não se explica apenas pelo preço, há expectativa de que fatores externos como o câmbio e a demanda chinesa podem favorecer a soja brasileira no médio prazo.“Por isso o produtor evita vender antecipadamente, prefere aguardar”.
A retomada das negociações, segundo ele, tende a ocorrer entre fevereiro e março de 2026, quando a colheita se define e o mercado ganha visibilidade.
EXPECTATIVA
Embora o mercado esteja desaquecido, o campo avança com força. O boletim mostra que até o dia 24 de outubro o plantio da soja alcançava 47,8% da área total estimada em 4,79 milhões de hectares, o que representa cerca de 2,29 milhões de hectares já semeados.
A região sul lidera o ritmo, com 58,7% da área plantada, seguida pelo centro (35,3%) e norte (23,1%).
O documento ressalta que, mesmo com a estiagem registrada em setembro, quando as chuvas ficaram entre 0 e 20 milímetros na maior parte do Estado, as condições climáticas melhoraram em outubro, garantindo boa germinação das lavouras.
“A safra está bem encaminhada. O clima ajuda, e o produtor plantou dentro da janela ideal, o que garante segurança para o milho safrinha. O problema não está no campo, e sim no preço”, resume Dávalos.
Apesar da perspectiva de safra cheia, os ganhos tendem a ser menores se os preços não reagirem. Além do recuo nas cotações internas, o mercado internacional segue pressionado por fatores estruturais.
Na Bolsa de Chicago, o contrato de novembro deste ano está cotado a US$ 10,67 por bushel, e o de maio de 2026, a US$ 11,06, valores ainda baixos diante da superoferta global.
Dávalos destaca que, no curto prazo, não há espaço para alta expressiva. “O clima no Brasil está favorável e a safra deve ser grande. Isso tende a manter os preços estabilizados em patamar menor até o início do próximo ano”, avalia.
Para o produtor, o cenário é de resiliência e gestão de risco. “O agricultor de Mato Grosso do Sul está acostumado a lidar com oscilações. Agora ele precisa equilibrar o caixa e aguardar um momento mais favorável para negociar”, complementa Fernandes.
Ainda segundo os especialistas, a curto prazo, o cenário é de estabilidade ou leve pressão de baixa nos preços, até que a colheita se aproxime e a operação comece a se deslocar.
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