Luis Arce falou à RECORD sobre a briga feroz contra o ex-mandatário e do enfraquecimento do apoio da esquerda
Há um mês, entrevistei Evo Morales, ex-presidente boliviano foragido da Justiça que tenta se reeleger, apesar de estar legalmente impedido.
Nesta semana, estive com o atual mandatário, Luis Arce Catacora, que não concorrerá, apesar de estar habilitado, em decorrência da fragmentação dos partidos de esquerda, que o apoiariam.
Também encontrei os dois candidatos com mais chances de ganhar o pleito de agosto.
Um deles é o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga. O outro, o megaempresário Samuel Doria Medina. Ambos de direita.
O cenário acontece em meio às comemorações dos 200 anos de república de um país que, no mesmo período, teve 190 eventos como golpes de Estado e revoluções.
Neste panorama, a esquerda fragmentada que defendia Evo Morales fervorosamente — e hoje o critica — perde espaço para as candidaturas de direita e centro-direita.

Bolívia espelha a desintegração da esquerda latino-americana
A Bolívia parece espelhar as mudanças que alguns países latino-americanos, com governos alinhados ao mesmo modelo político e econômico, vêm sofrendo: a perda de espaço dos candidatos de esquerda.
Em casos de nações onde não há uma democracia (ou esta apenas mascara ditadores, como Cuba, Venezuela, Nicarágua e Honduras), este fenômeno não acontece porque a liberdade de escolha de mandatário simplesmente não existe — independentemente da vontade dos seus cidadãos.

á a Colômbia ensaia um retorno à direita após o atual presidente, Gustavo Petros, sofrer uma série de revezes no Congresso. Isso além do atentado contra o senador oposicionista Miguel Uribe.
No Chile, Gabriel Boric tem perdido adesão popular, chegando a atingir 60% de rejeição apenas no primeiro ano de mandato — após o país chegar a índices alarmantes de criminalidade, entre outros erros atribuídos à sua gestão. Nas eleições da Assembleia Constituinte, a direita que Boric derrotou nas urnas alcançou impressionantes 56% de votos.
Na entrevista com o presidente Luis Arce, abordei a crise de combustíveis, que poderá parar desde o transporte público até o aéreo, a possibilidade de colapso energético (que pode levar os bolivianos a trocar eletricidade e gás de cozinha por lenha e velas) e uma balança de pagamentos que acabou com as reservas cambiais do país.
Neste texto para o R7, antecipo alguns dos aspectos abordados pelo presidente Luis Arce.
Esta é uma pílula do que está por vir em breve no ‘Domingo Espetacular’, com revelações sobre Evo Morales e fortes declarações dos candidatos que lideram as pesquisas a respeito de temas que vão de economia ao narcoestado.
Origem da crise
Luis Arce foi ministro de Economia no governo Evo Morales e é considerado o arquiteto do “milagre econômico boliviano”, baseado na exploração de gás natural.
Hoje o país sofre uma grave crise, com falta de dólares e combustíveis, déficit energético, esgotamento de poços de gás e uma explosão convulsões sociais.
Ele atribui a crise a erros graves de gestão no governo de Morales, que teria utilizado essas reservas sem investir na pesquisa de novos poços.
“Não haviam cuidado da galinha dos ovos de ouro, não haviam cuidado da vaca leiteira”, disse Arce na entrevista.
O esvaziamento do recurso provocou a falta de gás de exportação e, consequentemente, estrangulou a entrada de dólares no país — que é quase totalmente dependente de manufaturados estrangeiros, desde autopeças até eletrodomésticos.
Sem os dólares oriundos da exportação, não é possível importar produtos como gasolina e óleo diesel, já que não há como pagar por eles.
Combatendo a crise
Mas, segundo ele, seu governo corrigiu a distorção, investindo em pesquisas e abrindo 44 novos poços, além de ter diversificado projetos em outras áreas (como lítio e ureia), para diminuir a dependência do gás natural.
Também afirma ter iniciado a industrialização da Bolívia numa política de substituição de importações, expandindo grandes projetos de agronegócios.
Outros investimentos em infraestrutura são a construção de duas plantas de biocombustível em La Paz e Santa Cruz de la Sierra e a de uma outra que deverá produzir 80% do combustível consumido pelos país.
Mas os resultados só devem ser vistos a partir de 2027.
Conflitos com o Congresso
Arce também citou que o Congresso nacional vem bloqueando, desde 2023, os projetos do Executivo que teriam evitado a crise, com o objetivo de impedir o fortalecimento eleitoral da base de governo.
“Nosso governo estava na cabeça de todas as pesquisas como favorito até 2023. Isso incomodou o Evo, a direita e todos os partidos políticos. Neste período, nos asfixiaram. A direita que deu o golpe de Estado em Evo se aliou aos seus verdugos de 2019 para asfixiar nosso governo”, disse.
Como exemplo, cita créditos estrangeiros de US$ 1,8 bilhões, contratos de venda de lítio para China e Rússia por US$ 2 bilhões e a exploração de uma fábrica de zinco metálico já construída, que adormecem nas gavetas dos congressistas.
“Houve um boicote, houve uma sabotagem.”
Riscos de golpe de Estado
Arce relata que a tentativa de golpe de Estado que aconteceu no ano passado estará presente ”enquanto não se tenha clara a intenção de levar as eleições à frente”.
Cita a insistência de Evo Morales e seus seguidores em participar “sim ou sim” do pleito, mesmo estando legalmente impossibilitado de concorrer, e fala de suas ameaças de desatar uma grande convulsão social caso fique de fora.
“Nosso governo é um dos que enfrentou a maior quantidade de conflitos sociais provocados pelo ‘evismo’ em função de querer ser candidato pelas boas ou pelas más vias.”
Evo acusa Arce
Durante uma entrevista exclusiva com Evo Morales no mês passado, o ex-mandatário, hoje foragido das Justiças boliviana e peruana, fez graves acusações contra o presidente Arce, inclusive de atentar contra sua vida.
O mandatário o desmente e, com bom humor no semblante, manifesta estar acostumado a ouvir acusações infundadas do seu antigo chefe.
“Ele maneja um mundo irreal, maneja sua gente com mentiras.”
Arce atribui mentiras e fantasias à uma conduta recorrente de “autovitimização” de Evo, mas deixa o bom humor de lado ao acusá-lo de ser o autor intelectual da morte de quatro policiais poucos dias atrás, após terem sido sequestrados e torturados.
“Ele é o autor intelectual de tudo isto.”
Evo foragido em lugar conhecido
Evo Morales tem uma ordem de prisão decretada pela Justiça boliviana que o acusa de haver mantido relações sexuais com uma menor, com a qual teve uma filha. É também acusado de tráfico de pessoas. Ele nega.
E se encontra fortemente resguardado por seus seguidores num povoado chamado Lauca Ñ, no interior de Cochabamba. Nossa reportagem esteve com Morales no mês passado, quando o entrevistou com exclusividade.
Mas, se nós jornalistas conseguimos chegar até ele, questionamos o motivo de ainda não ter sido preso.
Para o presidente, qualquer tentativa de prender Evo Morales gerará enfrentamento armado. Diz que “haverá mortes de ambos os lados”, situação ele prefere evitar.
“Capturar uma pessoa não tem o mesmo valor das vidas dos bolivianos que irão se perder nesse evento.”
Desistência da reeleição e fracionamento da esquerda
Luis Arce não será candidato nas eleições de agosto. O motivo afirma ser a busca de uma unidade entre os partidos de esquerda, intenção que visivelmente fracassou.
“Hoje estamos divididos em várias frações.”
Cita o candidato Andrónico, presidente do Senado, ex-aliado e hoje inimigo de Evo Morales, a candidata Eva Copa, o próprio Evo Morales, que está impedido pela Justiça, e a sua representação, que é o MAS, antiga sigla de Evo.
O resultado é o crescimento dos partidos de direita, que hoje lideram em primeiro e segundo lugar as intenções de voto, além de outro candidato na quarta colocação.
Em pesquisa realizada pela Rede Uno de Televisão boliviana e divulgada este sábado, os três candidatos juntos contam com o apoio de 44,8% do eleitorado nacional.
Já o principal candidato da esquerda, que na primeira pesquisa liderava as intenções, desceu para a terceira posição com 13,7%.
Via: R7.com
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