No “Setembro Verde”, campanha incentiva a doação de órgãos e tecidos em Mato Grosso do Sul
Setembro Amarelo é uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, mas este mês pode ser considerado “colorido”. Setembro também é verde, cor escolhida para uma outra campanha, a de conscientização sobre a doação de órgãos e tecidos. Depois de perder dois filhos que estavam à espera de um transplante de medula óssea, um pastor de uma Igreja Batista em Campo Grande, tem mobilizado as pessoas nesta luta pela vida.
A campanha “Heróis da Vida”, faz parte das ações do Setembro Verde e foi idealizada por Diego Aydos, 41 anos. “Depois que você passa por isso, vê o quanto a doação de órgãos e tecidos, literalmente, salva vidas. Você fica dependente do outro para salvar aquele que ama”.
A explicação é de alguém que sabe como é perder dois filhos na fila de transplante. Diego e a esposa tiveram três meninos. O primeiro, João Lucas, morreu aos 8 meses de vida por uma doença grave na medula óssea. “Nós não sabíamos o que era a doença, tivemos que ir tratar em Campinas (SP) porque aqui no estado não tinha a estrutura necessária e ele não resistiu a espera”, conta Diego.

Apesar da dor veio Luís Otávio. Ele não apresentou a doença e, atualmente, tem 9 anos. Mas a luta de Diego como pai continuou. Em 2014, nasceu Timóteo e, logo nos primeiros dias de vida, o bebê apresentou a mesma doença autoimune grave e rara do primogênito. Ele precisava de um transplante de medula para sobreviver. Na época, foi criada a campanha “Amigos do Timóteo” que movimentou todo o Mato Grosso do Sul a procura por um doador compatível. O pequeno Timóteo morreu antes de receber o transplante.
“Por ser uma liderança enquanto pastor sentia que precisava usar esse alcance para ajudar outras pessoas. E se um conseguir doar, já está cumprindo o propósito de salvar alguém”, explica Diego.
Criar a campanha e mobilizar as pessoas não foi algo que aconteceu logo depois da morte de Timóteo. Foram seis anos de aprendizado para lidar com a dor, unir forças e reunir os membros da igreja Batista em Coronel Antonino para a campanha “Heróis da Vida”.

Com a pandemia, as ações são limitadas, mas o foco principal é a divulgação de conteúdo pela internet. “As ações realizadas são, principalmente, nas mídias sociais com testemunhos de pessoas que já foram transplantadas e de pessoas que precisam de um transplante. Além disso, estamos planejando ações para o ano que vem, por conta da pandemia. Planejamos para 2021 palestras, ações em semáforos, camisetas da campanha, distribuição de laços verdes, criação de curta-metragem, entre outras coisas”, ressalta o pastor.
Além de buscar a conscientização da doação de órgãos, Diego também luta para que Mato Grosso do Sul tenha um centro de transplante de medula óssea. “Luto para que as pessoas não tenham que mudar de cidade, ir para outro lugar quando passarem por um problema desse”. Na época, após a morte de Timóteo, o pastor coletou assinaturas de parentes e amigos num abaixo-assinado para a implementação do centro. O pedido foi entregue ao governo do Estado.
Segunda chance – Louriane Januario mora em Fátima do Sul (MS) e teve sua segunda chance, ganhou uma nova vida depois de um transplante duplo, com doador cadáver, de rim e pâncreas. “Entrei na fila no dia 4 de fevereiro de 2012, lembro das datas porque é um momento muito marcante na vida de uma pessoa. Eu era o número 385 da fila”, diz a fisioterapeuta hospitalar de 37 anos.
A espera terminou em agosto de 2016, após ter sido chamada outras duas vezes naquele mesmo ano e não conseguir. “O transplante me trouxe vida. Hoje eu sou livre, trabalho 12 horas por dia, viajo, tenho uma vida normal. Desenterrei meus sonhos que enquanto eu estava doente foram anulados”, desabafa Louriane que diz tomar apenas dois medicamentos diários.
De forma didática e tecnicamente detalhada, como uma profissional da área da saúde, Louriane descreve seu histórico médico e o que a levou a passar por um transplante duplo. Ao ouvi-la, quase parece não se tratar da sua própria história e sim de outro paciente que vê no hospital, tamanha é a firmeza da mulher que os 14 anos descobriu que tinha diabetes mellitus tipo 1. Doença crônica em que o pâncreas produz pouca ou nenhuma insulina, o que desencadeia uma série de complicações no organismo.

“Quando descobri a diabetes fiquei internada, perdi 12 kg. Depois, com o tratamento e dieta, me adaptei. Morei sozinha em outra cidade, fiz faculdade e vivia relativamente bem”. Passados 12 anos do diagnóstico, Louriane teve uma septicemia – infecção generalizada – que se iniciou com uma infecção urinária. O problema grave levou a falência renal.
Louriane ficou anos em tratamento conservador e como era diabética e renal crônica tinha crises graves de hipoglicemia que a faziam até entrar em coma. Orientada pelo médico, além do rim foi sugerido a necessidade do transplante de pâncreas.
“É muito importante enfatizar a doação de órgãos em caso de morte encefálica. Eu não vivia, dormi cinco anos com minha mãe do meu lado porque eu desmaiava com as crises de hipoglicemia. E depois de passar por tudo isso, vejo o quanto muitas famílias ainda são egoístas e se recusam a ajudar quem precisa por apego ao corpo daquele ente querido. De nada adianta a pessoa ter o desejo de ser doadora se os familiares não concordarem porque após a morte, são eles quem decidem”.
A espera do “herói” – Há um ano e meio os rins de Eberlin Henrique Candido, 26 anos, pararam de funcionar e ele espera na fila de transplante. “Dietas, restrições, remédios e etc…” é assim que ele descreve seu tratamento.
“Há cinco anos comecei a apresentar sintomas de insuficiência renal devido uma hipertensão. Com uma rotina de internações e muitas dores de cabeça, eu e minha família fomos buscar a causa”, conta o estudante. Para custear exames, medicamentos e as internações, Eberlin contou com a ajuda de voluntário da igreja em campanhas de arrecadação.
“Descobrimos que eu estava do estágio 4 para o 5 que já é o último estágio onde há a necessidade de um tratamento de hemodiálise. Com ajuda de amigos conseguimos uma internação e começamos um tratamento conservador”.
Apesar do tratamento, após alguns anos, a situação piorou e os rins deixaram definitivamente de funcionar. “Eu recebi a notícia que teria que fazer o tratamento. Mas em nenhum momento questionei e sim, entendi que essa era uma jornada que teria que percorrer. Nesse período, sentia no meu coração que poderia usar esse momento para ajudar outras pessoas”, explica Eberlin.
Foi então que o jovem conheceu a campanha do pastor Diego e se identificou com a causa. “Hoje consigo ter uma rotina basicamente normal. Estudo, empreendo e, agora, luto com um cunho social que é muito bonito. Somos mais de 40 mil brasileiros na fila a espera de heróis da vida”, finaliza.
Vídeo de divulgação da campanha “Heróis da Vida”, com Eberlin:
ransplante no Brasil – O Brasil deve realizar 3.621 cirurgias de transplante em 2020, uma queda de 60,6% em relação a 2019. Os dados divulgados pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), foram classificados como “muito preocupantes”, diante de um cenário dramático: mais de 45 mil pessoas ainda aguardam na fila de espera para um transplante, no país.
Nos últimos dez anos, o Brasil testemunhou um aumento significativo no número de procedimentos realizados. O país saltou de 6.426 cirurgias em 2010 para 9.212 transplantes de coração, fígado, intestino, pâncreas, pulmão e rim em 2019 — um incremento de 43,3%.
Mas a pandemia do coronavírus impõe uma dura realidade para os pacientes que dependem de um novo órgão em 2020. De acordo com o Registro Brasileiro de Transplantes, a taxa de doadores efetivos caiu 6,5% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2019. Quando se confrontam os números de doadores no primeiro e no segundo trimestres de 2020, a queda é ainda mais expressiva: 26,1%.
Conforme análise da ABTO, em relação ao mesmo período ano passado, caiu o número de transplantes de fígado (6,9%), rim (18,4%), coração (27,1%), pulmão (27,1%), pâncreas (29,1%) e córneas (44,3%).
Setembro Verde – Dia 27 de setembro é comemorado o Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos. Por isso, o mês é um período dedicado ao esclarecimento da população. Doar é um ato voluntário e pode ser feito tanto por pessoas vivas, quanto pós morte, por familiares. Quem deseja ser um doador de órgãos deve avisar a família.
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